Uma das rotinas ginecológicas mais importantes é o rastreio do cancro do colo do útero, ou seja, fazer exames em pessoas com colo do útero, que não tenham qualquer sintoma preocupante, para detectar lesões pré-cancerígenas que podem ser tratadas, diminuindo a incidência e a mortalidade do cancro do colo do útero.
Quando as pessoas têm sintomas que nos fazem suspeitar de lesão no colo do útero, já não estamos a falar de rastreio e não se aplicam as “regras” que vou partilhar à frente. Nesses casos a abordagem é individualizada.
Os métodos de rastreio existentes são: citologia cervical (olhar para as células do colo do útero e ver se têm alterações) e a pesquisa do HPV (que é o vírus responsável pela maioria dos casos de cancro do colo do útero), que podem ser feitos isoladamente, em conjunto ou sequencialmente.
Entao, de quanto em quanto tempo devo fazer esses exames?
A periodicidade recomendada depende da idade e da existência de doenças que comprometam a imunidade. Existem algumas variações nas recomendações de vários grupos profissionais e entre países e claro que as recomendações podem ir mudando com o tempo, à medida que surge nova evidência científica.
Atualmente, de acordo com o Consenso sobre infecção por HPV e neoplasia intraepitelial do colo vulva e vagina, da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, devem ser seguidos estes critérios:
<21 anos:
– não está recomendado fazer rastreio do cancro do colo do útero em pessoas assintomáticas, sem doenças que comprometam a imunidade, independentemente da idade de início da vida sexual
21-29 anos:
– Citologia de 3 em 3 anos e pelo menos 3 anos após início da atividade sexual
30-65 anos:
– Citologia de 3 em 3 anos OU Teste de HPV de alto risco com citologia reflexa (ou seja, acrescentar a citologia se o HPV for positivo) de 5 em 5 anos OU Citologia com teste de HPV associado (co-teste), de 5 em 5 anos.
É muito improvável que uma mulher com teste de HPV e citologia negativos venha a ter lesão de alto grau ou cancro nos 5 a 10 anos seguintes.
Em Portugal, a recomendação é parar o rastreio do cancro do colo do útero aos 65 anos de idade.
Porque não fazer a pesquisa de HPV por rotina antes dos 30 anos?
Porque nessa altura é bastante mais comum ter HPV mas a maioria das vezes não surgem lesões do colo ou, mesmo que surjam, regridem espontaneamente.
Porque não fazer exames mais frequentemente que isto?
A periodicidade destes exames tenta encontrar o equilíbrio entre a deteção precoce de lesões tratáveis e consequente redução do risco de evolução para cancro do colo do útero e sua mortalidade com o risco de resultados falsos positivos, ansiedade desnecessária, exames mais invasivos desnecessários e maior custo desnecessário. Ou seja, esta é a periodicidade que parece permitir a deteção das lesões sem levar a iatrogenia (doença, efeitos adversos ou complicações causadas por ou resultantes de tratamentos médicos) e gastos desnecessários.
Quantas mais citologias forem feitas, mais provável é surgirem alterações que não iam evoluir para cancro (ou por serem falsos positivos ou porque resolveriam espontaneamente entretanto) mas que por terem sido detectadas vão levar à necessidade de colposcopia, biópsias e tratamentos no colo que podem inclusive levar a complicações na gravidez.
Fiz a vacina do HPV, muda alguma coisa no rastreio?
Não, o rastreio deve ser feito de igual forma mas tentando-se dar preferência à pesquisa de HPV (porque a citologia tem menor sensibilidade em mulheres vacinadas).
Quem deve fazer anualmente, mesmo se assintomática e com resultados de rastreio normais?
Pessoas HIV positivas ou com imunodeficiência.
E se o resultado do rastreio vier alterado?
Dependendo do tipo de alteração é estabelecido o plano de seguimento e tratamento, geralmente com uma avaliação mais frequente que no rastreio.
E para terminar…
Não se desleixem neste assunto. Quem nos dera ter formas de rastreio para os outros cancros… Tenham em dia o vosso rastreio do cancro do colo do útero!
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Referências:
Créditos da imagem: SciencePhotoLibrary
Olá! Obrigada pela publicação, realmente é bem esclarecedora.
Mas fiquei com uma questão, em 2017 tive uma lesão de alto grau (NIC III após biópsia) e fiz conizacao. Fiz citologias 6/6 meses durante 2 anos e sempre esteve tudo bem. Mas no exame do HPV referia que tinha HPV 16 e 18 (isto em 2017). Sendo q já fiz o seguimento, tenho 29 anos, deverei agora voltar ao recomendado (3/3 anos)? Ou dado q tenho este historial terei q fazer com mais frequência? O meu obstetra não é muito claro nisso, temos feito anualmente..
Obrigada
A vigilância a longo prazo das lesões de alto grau não é consensual. Mas nos consensos da SPG (link nas referências deste post) encontra um algoritmo de vigilância.