grávida em trabalho de parto debruçada na bola de pilates e sendo apoiada por médica obstetra

Rastreio da diabetes gestacional: serão as alternativas à PTGO uma escolha equivalente?

A diabetes gestacional (DG) é uma das doenças mais comuns da gravidez e corresponde a um estado em que o corpo tem dificuldade em metabolizar a glicose, estando a sua concentração sanguínea aumentada. Esta alteração leva maiores riscos para a grávida (pré-eclâmpsia, hipertensão gestacional, excesso de líquido amniótico), para o bebé (macrossomia, perda gestacional, alterações metabólicas no recém-nascido, obesidade e diabetes da criança) e para a mulher a longo prazo (diabetes tipo 2, síndrome metabólica, doença cardiovascular). Os riscos serão maiores quanto mais descontrolada estiver a diabetes.

O método de rastreio da DG é controverso, com diferentes países a abordarem-no de forma diferente.

Em Portugal, a recomendação da DGS é fazê-lo no 1º trimestre com uma medição da glicemia em jejum (diagnosticando DG se for superior ou igual a 92) e uma prova de tolerância à glicose oral (PTGO, uma forma de perceber como reage o corpo a uma dose alta de glicose) às 24-28 semanas (diagnosticando DG se pelo menos um dos valores for superior ou igual a 92 em jejum, 180 após 1 hora ou 153 após 2 horas).

Sabemos que este método, com estes valores de referência, é um dos que leva a um maior número de diagnósticos e alguns autores questionam se realmente é necessário ser tão restritivo ou se estamos a colocar o rótulo de diabéticas (e consequências desse rótulo) a um número grande de mulheres que não beneficiam dele. Mas, é um assunto ainda em debate.

Hoje vou debruçar-me sobre as alternativas à PTGO que, na minha experiência, são procuradas por um número crescente de grávidas, por diversos motivos.

Ora, primeiro que tudo: existem pesssoas que não podem mesmo fazer a PTGO (por não tolerarem a prova ou após cirurgia bariátrica) e nesse caso não há alternativa a seguir um caminho alternativo…

A reflexão tem que surgir nos casos em que a pessoa pode fazer a PTGO mas prefere evitar essa sobrecarga de glicose ou as múltiplas colheitas de sangue.

Existem alguns exames sanguíneos que algumas grávidas me questionam se não podem ser alternativas: HbA1c ou pesquisa de glicose na urina. Estes testes não estão recomendados para este fim. Não está definido qual o valor limite de HbA1c que define quem tem ou não DG e ter glicose na urina também não nos diz se há DG ou não.

Qual então a alternativa aceitável?

Fazer perfis glicémicos, ou seja, avaliar a glicemia durante um período de tempo através de picada no dedo em jejum e após as refeições.

Algumas pessoas neste ponto dizem: ah não, então prefiro 3 colheitas de sangue do que picar o dedo 4x dia durante vários dias…

Mas para quem coloca a hipótese de seguir esse caminho, acho importante a reflexão: será que os perfis glicémicos identificam adequadamente todos os casos de DG?

A resposta é NÃO.

Avaliar os valores de açúcar no sangue no dia-a-dia, com a alimentação e estilo de vida habituais, apenas diagnosticará os casos de DG que não estão controlados com o estilo de vida. Deixará de fora o diagnóstico de DG controlada com o estilo de vida.

Também sabemos que o grau de controlo da DG varia ao longo da gravidez, assim, para quem faz perfis glicémicos às 24-28 semanas, deverá repetir às 32 semanas (altura em que a resistência à insulina está no seu máximo).

Por fim, será relevante diagnosticar as DG controladas com o estilo de vida (e que ficam de fora não fazendo a PTGO)?

Por um lado, sabemos que são os casos com menor risco de complicações. Inclusive, se não existirem outras alterações associadas (por exemplo, não existir macrossomia fetal, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento, muito ou pouco líquido amniótico), a vigilância e conduta na gravidez deve ser semelhante à das grávidas sem DG.*

Por outro, se não for feito o diagnóstico de DG pode não ser feita ecografia de avaliação de crescimento no final da gravidez e escaparem-nos alguns casos de macrossomia, restrição de crescimento ou alteração do líquido amniótico.

E por fim, as grávidas que têm DG controlada com o estilo de vida e não o descubram (porque não fizeram a PTGO), perderão uma oportunidade de ganhar consciência do seu risco de desenvolver doenças a longo prazo.

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Referências:

Donovan L, Hartling L, Muise M, Guthrie A, Vandermeer B, Dryden DM. Screening tests for gestational diabetes: a systematic review for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med. 2013;159(2):115-122. doi:10.7326/0003-4819-159-2-201307160-00657

Buhling KJ, Elze L, Henrich W, et al. The usefulness of glycosuria and the influence of maternal blood pressure in screening for gestational diabetes. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2004;113(2):145-148. doi:10.1016/j.ejogrb.2003.06.013

Vounzoulaki E, Khunti K, Abner SC, Tan BK, Davies MJ, Gillies CL. Progression to type 2 diabetes in women with a known history of gestational diabetes: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2020;369:m1361. Published 2020 May 13. doi:10.1136/bmj.m1361

Retnakaran R, Qi Y, Connelly PW, Sermer M, Zinman B, Hanley AJ. Glucose intolerance in pregnancy and postpartum risk of metabolic syndrome in young women. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95(2):670-677. doi:10.1210/jc.2009-1990

Shah BR, Retnakaran R, Booth GL. Increased risk of cardiovascular disease in young women following gestational diabetes mellitus. Diabetes Care. 2008;31(8):1668-1669. doi:10.2337/dc08-0706

Ornoy A. Growth and neurodevelopmental outcome of children born to mothers with pregestational and gestational diabetes. Pediatr Endocrinol Rev. 2005;3(2):104-113.

*ainda que o limite para induzir o parto seja controverso (não existem estudos de qualidade sobre o assunto), com alguns autores a defender que se poderá aguardar até às 41 semanas e outros a defender a indução após as 39 semanas.

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